Cartas Aos Que FicaraM, por Telma Tvon
Escritora e rapper, Telma Tvon escreve para o Afrolink sobre a violenta repressão do Governo do MPLA aos protestos e greves dos taxistas que desde meados de Julho contestam, no país, a subida dos preços dos combustíveis. Com um balanço provisório de 30 mortos e 1.515 detidos, a situação inspirou a escritora a publicar três cartas, cruzando os olhares de três figuras ímpares da História angolana: Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz e Deolinda Rodrigues.
Telma Tvon
Texto de Telma Tvon
Não, eu não vos escrevo do além. Eu escrevo a partir do interior de cada angolana, de cada angolano, que tanto sente que já nada consegue desabafar no papel. E yah, filho continua a chorar, Mamã não enlouqueceu, morreu mesmo e desta vez nem foram para São Tomé. Jazem aqui mesmo, na Terra que os viu nascer. A Mãe fenece fisicamente por aqui e o Filho por sua vez enlouquece e fenece mentalmente, também por aqui. Destruídos pelas autoridades que era suposto protegê-los.
Não, eu não vos escrevo com piedade e compreensão porque raros não são os momentos em que me pergunto se vocês conhecem esses sentimentos. Se vocês sequer possuem o dom de ter sentimentos. Eu escrevo-vos, pois, observando o pó de estrela que todos os meus são. Hoje nada brilha. Hoje tudo é incerteza, choro e convulsões.
Não, eu não vos escrevo rogando que se transformem. Esse tempo expirou. Eu agora escrevo-vos na urgência de quem vê também para os outros o tempo expirar porque careço conspirar a vossa saída. Eu não vos teorizei assim. Eu não vos idealizei assim. Eu escrevo cansado, tentando encontrar forças fora da minha matéria para acender uma nova revolta activa. Eu escrevo com fé conseguindo encontrar inspiração nos manifestos agora proactivos que se aventam perante mim.
Não, eu continuo a não escrever pedindo mudança ou sextas oportunidades.
Eu agora escrevo torcendo freneticamente pelo vosso fim.
Com sublinhada tristeza,
Mário Pinto de Andrade - o Pai Fundador
Também eu vos quero distantes do meu povo. Sonho-vos fora. Erramos?
Não consigo tolerar mais essa Angola que chora. Errei?
Sonhadores? Irrealistas? Talvez, mas quantas mais vidas pagaremos pelos nossos sonhos deturpados pelos vossos contínuos erros? Devastação máxima ao desviver deste lado com tanto peso.
Também eu vos quero culpados por adiarem consecutivamente os dias da Humanidade. Assim eu quero-vos de todos os cargos exonerados. O justo mesmo era serem condenados a viver como estão a condenar o nosso povo a viver. Vocês chumbaram no básico, o meu coração de poeta não vos perdoa e eu já só quero descansar em paz. Eu já só manifesto, de bem longe, para o meu povo, abundância e paz e ainda assim está a doer bwe perceber que vocês não sentem, que vocês vivem tipo vos nasceram sozinhos, que vocês não aprendem nada, que vocês agora são um resumido, inaugurado, condecorado Nada.
Também eu agora vos quero sem a tentadora Certeza, sem a firme Esperança pois mediante todos os brilhos capazes que nos depenam a magia da vida também de se eclipsar das vossas vidas. Que é isso Viriato a rogar pragas? Talvez não, a prever sentenças. Eu já só vos desejo apartados das minhas gentes, das minhas terras. Com tudo o que já subtraíram construam as vossas Califórnias e Dubais no Inferno, soterrem-se nos vossos palácios de egoísmo.
Eu agora também escrevo com ansiedade, apelando à vossa partida.
Com aviltante pesar,
Viriato da Cruz - O Pai Poeta
Assim eu já só penso o quão vão foi o meu destino.
O meu país independente não era o fim. Era o sonho do começo.
Era a vida que germinava nos meus que naquela altura para uma sorte maior precisavam de sofrer. E olha só o azar em vocês personificado, pois nas vossas mãos hoje eles continuam a sofrer.
Assim eu já sem corpo, continuo a sofrer. Sabia que a liberdade não se alcançaria com sofrimento mas não seria para vocês que esperava endereçar estas palavras. Confusa com o meu corpo parido em Catete e defumado no Congo, me questiono hoje qual é a vossa ideologia? Vocês quem são? Vocês querem o quê? Sendo absurdamente sincera comigo eu acho que sei as respostas mas não me atrevo a dizê-las de forma perceptível. E ainda assim medo do quê pois se as palavras têm força e se materializam ao serem ditas em voz alta há muito que tal já aconteceu porque vocês andam aí, vaidosos, orgulhosos e não parece haver silêncio que quebre o vosso narcisismo.
Assim eu já só penso que hoje que sem razão aparente se depredam as vidas dos nada a perder, interrogo-me se o vosso M vem do quê, o vosso P juntamente com o vosso L servem para quê, e a vossa Angola é para Quem? Pois, pensem respostas caladas. Pensem em tom de monólogo porque nem diálogo queremos convosco e olhem bem, e oiçam bem, e leiam bem porque mesmo que neste exílio sem regresso eu continuo a ser a revolução. Eu continuo a orar pela libertação dos meus. Eu continuo numa luta sem forma, numa luta de pensamentos e desejos mas continuo, sim fictícios camaradas eu continuo. Continuo até sentir a vossa total retirada. Continuo até se espalhar por todos kimbos acima da terra que o meu povo é soberano.
Com colossal desgosto
Deolinda Rodrigues- a Langidila e Mãe da Revolução Angolana