Odair Moniz: depois da faca invisível, entra em cena a sua "astúcia" fatal, agravada pela 'ameaça' do crioulo
Por esta altura, há exactamente um ano, o país reagia, em sobressalto, a uma onda de protestos nas periferias da Área Metropolitana de Lisboa, motivada pelo assassinato de Odair Moniz, às mãos de Bruno Pinto, agente da PSP. O crime, prontamente justificado por narrativas racistas, assentes na criminalização da vítima e na defesa da Polícia, evidenciou, mais uma vez, a política de impunidade que grassa nas forças de segurança. Aliás, não fossem os vídeos captados pelos moradores da Cova da Moura – onde Odair Moniz foi mortalmente baleado –, e talvez ainda estivéssemos a ouvir testemunhos sobre como a vítima empunhou uma faca contra o agente, forçando-o a disparar em legítima defesa. Não uma, mas duas vezes, sublinhe-se, não fosse Odair feito à prova de bala. Assassinado a 21 de Outubro de 2024, Dá, como era carinhosamente tratado, deixou viúva, dois filhos, e uma comunidade enlutada. Todos pedem Justiça. Todos pedimos Justiça, e ela passa pelo Tribunal de Sintra, onde o homicídio começou a ser julgado, na última quarta-feira, 22 de Outubro. Amanhã, 29, há mais.
Foto do movimento Vida Justa
Não há dúvidas sobre a identidade do homicida: Bruno Pinto, agente da PSP, atingiu Odair Moniz com dois tiros, na madrugada de 21 de Outubro de 2024.
Um ano depois, na última quarta-feira, 22, o polícia começou a ser julgado no Tribunal de Sintra, e, repetindo um já estafado argumento entre as forças de segurança, optou por fazer do ataque à vítima a sua defesa.
Além de insistir na descrição de Odair como uma pessoa "astuta", que ia oscilando entre a passividade e a agressividade, o arguido sugeriu que o cabo-verdiano teria algum domínio de artes marciais, habilidade que, na sua ficção dos acontecimentos, inviabilizou os esforços para o imobilizar sem recurso à arma de fogo. “Parecia que o bastão lhe fazia cócegas", declarou.
Como se não bastasse, o agente juntou ao retrato de indomabilidade de Odair elementos que parecem retirados de um mau filme de acção: o segundo disparo é explicado pela alegada ausência de efeitos do primeiro.
Qual "duro de parar", o cabo-verdiano não só terá permanecido em pé após o tiro inicial, como, relatou o polícia, parecia disposto a avançar sobre si.
Para completar o enredo do perigoso agressor, algures no testemunho, Bruno Pinto acusou Odair de proferir ameaças contra si e o seu colega, inclusivamente em crioulo cabo-verdiano, língua que assumiu desconhecer.
Num dia em que também se ouviu Ana Patrícia, viúva da vítima, Rui Machado, o outro agente envolvido nos trágicos acontecimentos, e uma moradora da Cova da Moura, ficou evidente que a tese da legítima defesa vai ser explorada desavergonhada e despudoradamente.
De tal forma que até a faca supostamente empunhada por Odair, porém invisível nos vídeos, reaparece nas convicções do arguido, entre inúmeras contradições.
O julgamento, marcado ainda pelas perguntas absolutórias do colectivo de juízes, continua amanhã, 29.
Até lá, o Afrolink partilha oito notas extraídas do primeiro dia, onde o acesso à sala de audiências se fez sob o filtro de uma lista de ‘personas non gratas’.
Nota 1: Proibido entrar! O mistério dos nomes banidos
Levo o protocolo bem estudado: chego já com o cartão de cidadão em mãos, escancaro a mala para a devida verificação, e, acto contínuo, atravesso o detector de metais. É então que me apercebo da novidade: em vez de se limitar a confirmar a minha identidade, a equipa de segurança do tribunal verifica se o meu nome está “na lista”. Estranho o procedimento, quero questionar, mas mantenho o foco: o acesso à sala de audiências onde vai ser julgado o homicídio de Odair Moniz. Aliviada por não ter sido barrada, guardo a pergunta para um melhor momento, que chega depois de almoço. Como quem entretém o tempo, pergunto: “Olhe, esta manhã, quando apresentei o meu cartão de cidadão, reparei que consultaram umas folhas, para verificar se o meu nome estava incluído. Porquê?”. A resposta adensa a minha inquietação: “Se estivesse nessa lista, não a poderíamos deixar entrar”, explicaram-me. Cada vez mais intrigada, perguntei: o que as pessoas listadas fizeram para ser banidas? Fiquei sem resposta.
Nota 2: Conhecem o caso Elson Sanches (Kuku)?
Quinze anos separam os assassinatos de Elson Sanches (2009) e Odair Moniz (2024), ambos no município da Amadora e na sequência de perseguições policiais, encerradas com disparos fatais. Nas duas situações, envolvendo agentes da PSP, as vítimas surgem conveniente e presumidamente armadas: vale tudo para justificar o recurso à lei da bala. No caso de Elson, também conhecido por Kuku, o agente relatou ter visto um objecto metálico brilhante, e ouvido um som semelhante ao manuseio de uma arma, antes de baleá-lo à queima-roupa. O tribunal não conseguiu provar a alegação – tornando o disparo injustificado e esvaziando a tese de legítima defesa –, mas a ausência de testemunhas no momento do crime, aliada à criminalização da vítima e falta de iluminação no local, conspiraram no sentido da absolvição do polícia. Ainda que Kuku fosse apenas um miúdo de 14 anos, e do outro lado estivesse um agente treinado e de quase 40 anos, a juíza entendeu que naquelas circunstâncias a decisão policial dificilmente poderia ser outra. E nem o facto de o disparo ter sido efectuado a escassos centímetros da cabeça de Kuku, ao jeito de uma execução, levou a magistrada a reavaliar o que classificou de “infeliz evento”. Poderá a narrativa da “legítima defesa” repetir-se no caso de Odair Moniz, tendo em conta que também aqui existe uma putativa arma – no caso branca – e todo um argumentário que criminaliza a vítima? O advogado José Semedo Fernandes, que representa a família de Odair, aproveitou as alegações iniciais do julgamento para lembrar as semelhanças deste processo com o de Kuku, sublinhando a principal diferença: desta vez temos imagens da intervenção policial. Muitas foram captadas por moradores munidos de telemóveis e, não fosse a sua pronta disseminação nas redes sociais, talvez tivéssemos um comunicado sobre a avaria das câmaras de videovigilância instaladas no local, da mesma forma que tivemos um auto de notícia da PSP com uma faca que afinal não o era. “A defesa acredita que aqui a verdade vai ser encontrada, e que o arguido será condenado”. Assim seja!
Nota 3: Procurador investido em revelar os factos, colectivo de juízes parece apostado em mascará-los com teorias absolutórias
Sabemos quem matou Odair Moniz. Chama-se Bruno Pinto, é agente da PSP e está a ser julgado por homicídio. Sabemos também que, ao contrário do que a Polícia começou por alegar, a vítima não estava armada quando foi baleada. Sabemos ainda que o outro agente que se encontrava no local, Rui Machado, estava munido de uma lata de gás pimenta, que poderia ter usado para imobilizar Odair, mas optou por não o fazer. “Seis minutos é a linha de tempo que está aqui a ser analisada”, lembrou, mais do que uma vez, o procurador Pedro Lopes Pereira, colocando o foco nas decisões que determinaram os factos ocorridos entre as 5h25 e as 5h31 de 21 de Outubro de 2024. “Retrospectivando: considera proporcional que se tenha chegado a esta situação?”, questionou o representante do Ministério Público, recordando que na origem da intervenção de Bruno Pinto esteve um eventual crime de desobediência, e outro de condução perigosa. O procurador quis igualmente saber porque é que o agente disparou duas vezes contra Odair – afinal, se o objectivo era imobilizar a vítima, não estaria já imobilizada com o primeiro tiro? Pedro Lopes Pereira sublinhou ainda que a dupla de agentes já estava à espera de reforços policiais quando se deu a confrontação com Odair Moniz, e questionou-os sobre a não utilização do gás pimenta. Em separado, o arguido Bruno Pinto e a testemunha Rui Machado repetiram a mesma ficção dos acontecimentos: por um lado, naquela madrugada o vento desaconselhava o uso do gás pimenta; por outro lado, o manuseio do spray tornou-se desafiante perante a atitude da vítima. Nos antípodas da intervenção do procurador, o colectivo de juízes pareceu estar mais interessado em oferecer ao arguido argumentos para uma legítima defesa, em vez de o confrontar com a consequência das suas escolhas. Desde logo, a insistência na falta de formação da Polícia, nomeadamente em carreira de tiro, sugere que Bruno Pinto tenha sido vítima de uma impreparação estrutural. Do mesmo modo, quando se questiona “Conformou-se com este resultado?”, “Voltaria a fazer o mesmo?”, ou “Alguma vez desejou este resultado?”, parece que se está a forçar uma reparação da imagem do agente, apresentado com um profissional bem intencionado, a quem um azar bateu à porta. “Infeliz evento”, como no caso de Kuku? As manobras de absolvição incluíram mesmo uma analogia com o futebol: perante a explicação do arguido para a trajectória fatal dos seus disparos – quando os mesmos supostamente foram direccionados para os membros inferiores da vítima –, o juiz Carlos Camacho lembrou-se de sugerir que há um movimento semelhante no desporto-rei. Resumidamente: tal como o agente inclina o torso ligeiramente para trás quando dispara, também futebolista o faz para ganhar impulso quando remata.
Nota 4: Odair culpado por ser uma pessoa negra...perdão, astuta!
Armado ou desarmado, encorpado ou franzino, alcoolizado ou sóbrio, com ou sem cadastro, aparentemente pouco importa. Se de um lado estiver um elemento das forças de segurança e, do outro, um homem negro, este transforma-se automaticamente num alvo a abater. A presunção da culpa negra está de tal forma instituída nas polícias que, à falta de provas, aposta-se tudo na construção de uma história de criminalidade que transforme a vítima em agressor. O caso de Odair não é excepção. Repetidamente descrito pelo agente que o assassinou como uma “pessoa astuta”, o cabo-verdiano foi apresentado em tribunal como um perigo ambulante, que ia atropelando uma série de pessoas, e chegou mesmo a ameaçar de morte a dupla da PSP. Para a narrativa soar mais credível, Bruno Pinto, que assume não saber crioulo, expressa o que terá ouvido de Odair: “Mi ta mata”, ou qualquer coisa do género. “Ele alterava de personagem: passivo-agressivo, passivo-agressivo”, apontou o agente que o matou, estendendo o juízo incriminatório à generalidade da Cova da Moura. “O bairro oferece protecção”, observou Bruno Pinto no seu depoimento, garantindo que na madrugada fatídica efectuou os primeiros disparos para o ar em resposta a um avanço popular, alegadamente instigado pelos pedidos de ajuda de Odair. “O que é que fiz, o que é que se passa?”, terá sido um dos ‘alertas’ a soar rua acima, ao encontro de um grupo que, segundo o arguido, está ligado à “criminalidade organizada e violenta”. Noutra referência aos perigos da Cova da Moura, o agente adiantou: “Quando passamos por eles não cometem nenhum crime, assobiam”. Já Odair, além da atitude astuta, ficou ‘marcado’ por um suposto domínio de artes marciais. “Ele mantém sempre uma boa postura”, notou o arguido, atribuindo o equilíbrio à prática desportiva.
Nota 5: Dúvidas razoáveis - faca na imaginação, tiro à queima-roupa
“Num primeiro momento, o arguido é peremptório a dizer que Odair Moniz estava munido de uma faca. Depois refere que não sabe dizer a 100% se havia uma faca ou uma lâmina”. A incoerência, apontada ao agente da PSP, é assinalada pelo procurador que, já depois de visionadas as imagens de videovigilância em tribunal, confronta Bruno Pinto: afinal, havia ou não havia uma faca? Hesitante, o arguido devolve afirmativamente: “Eu agora tenho a certeza”. Questiono-me: na altura, não teve a mesma convicção? Então porque é que disparou contra uma pessoa desarmada? Mais: se, de facto, em algum momento suspeitou da existência de uma faca, não seria lógico assumir que, logo após os disparos, procurasse localizar e neutralizar a arma? “Deveria tê-lo feito, mas não era a minha preocupação”, afirmou, igualmente titubeante perante uma hipótese colocada pelo advogado José Semedo Fernandes. “Garante que o tiro à queima-roupa não foi disparado no momento em que estava debruçado, em cima de Odair?”. Antes da resposta do arguido, o contexto: apesar da insistência na tese da indomabilidade da vítima, há pelo menos um momento em que a intervenção policial consegue conter Odair, que fica de bruços sobre um carro e de costas para Bruno Pinto, permitindo a este ganhar alguma vantagem física. Terá sido nesta situação, já com o cabo-verdiano manietado, que o agente disparou o primeiro tiro? “Acredito que não”, atira o homicida, insistindo na superior capacidade de Odair para resistir. “Tanto no primeiro como no segundo tiro, ele encontrava-se a vir para cima de mim, e eu protejo-me”. Facto: aquando do primeiro tiro, não se vê, nas imagens, nenhum clarão. Como é que com um disparo à queima-roupa, o agente avança para um segundo, sob a alegação de que não tinha a certeza de ter acertado o primeiro? Afinal, queria matar ou manietar?
Nota 6: Mais dúvidas razoáveis – arma no coldre, rádio no chão
Na noite do homicídio de Odair Moniz, Bruno Pinto fazia a patrulha com Rui Machado, agente que está a ser acusado de falso testemunho por, juntamente com outro PSP, ter afirmado que viu um punhal por baixo do corpo de Odair, algo que se comprovou ser mentira. Por causa deste processo, a presença de Rui Machado no julgamento de Bruno Pinto ficou circunscrita a questões não relacionadas com a arma branca. Feito este enquadramento, há a destacar dois momentos do seu testemunho. O primeiro prende-se com as armas que usou, o segundo tem que ver com os tiros que mataram Odair. Vamos por partes: assim que saiu da viatura, empunhou a arma de fogo em direcção a Odair, para o intimidar, mas acabou por recolhê-la, quando entendeu que não era necessário manter essa abordagem. “Não achou necessário porquê?”, questionou o procurador, baralhando o agente. “Pode repetir a pergunta?”. Na resposta, Rui Machado secundou a leitura do autor dos disparos: “Inicialmente [Odair] sai do carro com um comportamento passivo. Embora não esteja a colaborar connosco, não partiu logo para a agressão”. Prosseguindo com os pedidos de esclarecimento, o procurador indagou: em vez da arma de fogo, o agente optou pelo bastão extensível, e nem tocou no gás pimenta que transportava, será que não lhe passou pela cabeça usar o spray, ou entendeu que as condições não eram favoráveis à sua utilização? “Ambas as duas”, respondeu, escancarando mais uma incongruência. Avancemos para os tiros: ao mesmo tempo que Rui Machado relatou a agressividade de Odair e dificuldade em manietá-lo, ficámos a saber que desperdiçou uma oportunidade para o conter – em prol de um objecto que poderia recuperar depois. Ficámos igualmente a saber que o que lhe ocorreu fazer numa situação de confronto físico entre a vítima e Bruno Pinto, foi dar costas à altercação. “Estou com o bastão, dou um empurrão, e ele [Odair] embate contra a parte traseira de uma viatura, desfiro uma bastonada, quando vou para desferir a segunda levo o meu braço atrás, o meu rádio saltou e caiu atrás de mim, cerca de um metro e pouco. Virei-me de costas para os dois. O meu colega continuava na altercação, digamos assim, com Odair”. Conta o agente que foi nesse instante, em que estava de costas, que ouviu mais um tiro, o terceiro da noite – dois tinham sido para o ar, e este foi primeiro a acertar na vítima. “Não sabia quem tinha sido atingido, nem quem tinha efectuado o disparo: se tinha sido o meu colega, o Odair, ou um disparo para o ar. Viro-me para os dois, primeira imagem que tenho é o Odair com a mão esticada na cabeça do meu colega numa posição de agressão. O meu colega meio que recuava, com a arma apontada na direcção das pernas do Odair. Dirijo-me na direcção dos dois, e quando estou a chegar há mais um disparo, e o Odair caído no chão. Naquele momento não me apercebi do sucedido, estava completamente sob o efeito túnel”. Foi aí que Rui Machado ainda carregou sobre a vítima com uma bastonada, porque, garante, não conseguiu travar o impulso que já levava. O testemunho torna bastante plausível a hipótese aventada por José Semedo Fernandes, de que o primeiro tiro a atingir Odair aconteceu quando o mesmo estava imobilizado, encostado a um carro. É, contudo, ao segundo tiro que o cabo-verdiano cai sobre o asfalto, de barriga para baixo, embora tenha aparecido posteriormente de barriga para cima, circunstância que levou a juíza presidente do colectivo a questionar: “Foi por via da sua acção que [a vítima] acabou por ficar de barriga para cima?”. “Não lhe consigo dizer.”
Nota 7: O grito de Odair – “Sou doente” – e a mão ferida que as algemas policiais queriam ignorar
Os agentes da PSP Bruno Pinto e Rui Machado coincidem no retrato da resistência oferecida por Odair Moniz. “Sou doente, sou doente. Arma não, bastão não”, terá vociferado a vítima, que começou por levantar os braços, tornando assim visível a ligadura que lhe cobria uma das mãos. “Chegou a explicar que tinha um ferimento?”, perguntou o advogado José Semedo Fernandes, numa alusão a uma queimadura que, desde Maio, mantinha Odair de baixa médica. Não tendo a vítima explicado, questiono-me se não seria lógico assumir que a referência a uma doença pudesse estar relacionada com a mão que a vítima fez questão de elevar. Estaria Odair a recusar ser algemado por ser “uma pessoa astuta”, como tantas vezes repetiu o agente que o matou, ou por estar a recuperar de um ferimento que as algemas iriam agravar? A ausência de diálogo entre os agentes e a vítima parece ter marcado os seis minutos de interacção que tiveram, dominados, no testemunho dos PSP, por ameaças. “Vou-vos matar filhos da p***”, terá avisado Odair que, mesmo com a mão ligada e sob o efeito de álcool e estupefacientes, permanecia, aos olhos dos agentes, incapaz de manietar. (os exames toxicológicos indicaram que tinha no sangue de 1,98 gramas de álcool por litro, e uma concentração de canabinóides de 1 nanogramas por mililitro).“A adrenalina dele estava muito alta devido à perseguição, à fuga e por ter embatido”, numa série de carros antes de parar, considerou Rui Machado, insistido na ficção –“Tentámos de tudo”–, mas assumindo que ignoraram o ferimento de Odair. Afinal, conforme declarou em tribunal, estavam a tentar algemá-lo “na mão que desse”. Já Bruno Pinto aproveitou todas as oportunidades para salientar o quão perigosa é a Cova da Moura. “Ali optei pela minha vida e pela do meu colega”. Para Odair restou a morte.
Nota 8: Regressar da morte – o pesadelo de uma família destroçada
“A vida mudou muito?”. Diante da juíza que preside ao colectivo de juízes, Ana Patrícia Moniz, viúva de Odair, não hesitou um segundo antes de responder: mudou “bastante”, mudou “tudo”. Incapaz de pregar olho desde o assassinato do seu “Dá”, a ajudante de cozinha, lembra que ele era “o pilar da casa”, que “nunca deixava faltar nada”. Como se não bastasse o pesadelo que representa a perda irreparável do companheiro de 23 dos seus 37 anos de vida, ‘Mónica’, como também é conhecida, recordou em tribunal que a violência policial contra a sua família não acabou com o homicídio. “Rebentaram-me a porta, ponho um armário [atrás da porta] para tentar dormir”, relatou a viúva, e mãe dos dois filhos de Odair. A receber tratamento psiquiátrico desde Novembro do ano passado, a ajudante de cozinha partilha os danos emocionais que observa também nos filhos, de 21 e quatro anos. “O mais velho está com depressão, não sai do quarto”, lamenta, enquanto descreve como o mais novo corre para o comando da televisão, desligando-a, de cada vez que surge uma notícia sobre o pai. “Ainda hoje pergunto-me o que aconteceu com o meu marido”, sublinha a viúva, que passou a andar movida por uma bateria de medicamentos: anti-depressivos, calmantes, SOS para ansiedade. Perdas somadas, a família reclama 200 mil euros de indemnização. Pague-se! Faça-se Justiça.