HISTÓRIAS

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Seguimos o ritmo da alma de Anna Joyce, e mergulhamos em “Ondas do Mar”

Aos 10 anos compunha temas infantis, animada pelo sonho de se tornar cantora, talvez como a brasileira Xuxa. Já na adolescência amadureceu letras, depois de também escrever refrões para os amigos rappers, mas foi na fase adulta da vida que a música se tornou carreira, impulsionada por sucessos como “Te Amar”, “Puro”, “Outra Vez”, ou “Curtição”. Agora ligada à Universal Music Portugal, Anna Joyce esteve em Lisboa no último mês de Novembro, e falou com o Afrolink sobre “Ondas do Mar”, escrita a seis mãos, e cantada com Ivandro. A novidade antecipa a estreia da artista angolana no palco do Sagres Campo Pequeno, marcada para 28 de Fevereiro de 2026. Uma oportunidade para conversarmos também sobre os desafios da indústria musical, e os seus quase 12 anos gravações e espectáculos. “Temos ouvido muitas influências de música africana aqui, a serem tratadas por artistas portugueses, o que é muito bom, mas também é bom sermos nós próprios a dar cara à nossa música”.

Aos 10 anos compunha temas infantis, animada pelo sonho de se tornar cantora, talvez como a brasileira Xuxa. Já na adolescência amadureceu letras, depois de também escrever refrões para os amigos rappers, mas foi na fase adulta da vida que a música se tornou carreira, impulsionada por sucessos como “Te Amar”, “Puro”, “Outra Vez”, ou “Curtição”. Agora ligada à Universal Music Portugal, Anna Joyce esteve em Lisboa no último mês de Novembro, e falou com o Afrolink sobre “Ondas do Mar”, escrita a seis mãos, e cantada com Ivandro. A novidade antecipa a estreia da artista angolana no palco do Sagres Campo Pequeno, marcada para 28 de Fevereiro de 2026. Uma oportunidade para conversarmos também sobre os desafios da indústria musical, e os seus quase 12 anos gravações e espectáculos. “Temos ouvido muitas influências de música africana aqui, a serem tratadas por artistas portugueses, o que é muito bom, mas também é bom sermos nós próprios a dar cara à nossa música”.

Dez músicas celebraram, em 2024, os primeiros 10 anos de carreira de Anna Joyce, embrulhados para os fãs no disco “A Peça”, lançado sem amarras comerciais.

“Foi mais sobre uma comemoração, do que sobre lançar um álbum para ser top nas paradas”, assinala ao Afrolink a cantora angolana, firme no palmilhar de novos caminhos.

“Não podes estar sempre a fazer as mesmas coisas”, nota a autora de sucessos como “Puro”, “Outra Vez” ou “Curtição”. Agora ligada à casa portuguesa da Universal Music, a artista juntou-se a duas outras referências da editora, Ivandro e Prodígio, no tema “Ondas do Mar”.

Composto pelos três e cantado em dueto, por Anna e Ivandro, o tema soma quase meio milhão de visualizações no YouTube, cerca de um mês após o lançamento, aumentando as expectativas para o próximo espectáculo da cantora em palcos portugueses.

“Estávamos à espera deste tema, demorou um bocadinho mais do que era suposto, mas não fazia sentido sair depois do show, porque as pessoas não iam poder cantar a música connosco”, explica a cantora, feliz com a parceria. “Decidimos mudar a data para 28 de Fevereiro, para haver tempo e disponibilidade de ambas as partes para fazermos esta canção, e acho que valeu a pena”.

Pela primeira vez ao lado de Ivandro, Anna conta que a ligação aconteceu a partir de Prodígio, que agora também é seu manager.

“Eu disse: olha, eu quero cantar com o Ivandro, e ele é que tratou, ele é que foi atrás. Então, foi muito mais do que só escrever, ele foi o maestro por detrás dessa música”.

O resultado ouve-se em todas as plataformas digitais, e, revela a cantora, tem por detrás um entendimento raro.

“Foi quase uma coisa inédita para mim, um processo muito bonito e satisfatório: escrevemos, gravamos, e a música estava feita num dia”.

Com tanto alinhamento, talvez venham aí novas marés de parceria?

“O objectivo é também expandirmos um bocadinho as nossas raízes, e levarmos a nossa música a ser conhecida pelas pessoas que a fazem. Porque temos ouvido muitas influências de música africana aqui, a serem tratadas por artistas portugueses, o que é muito bom, mas também é bom sermos nós próprios a dar cara à nossa música”.

Batimentos e abatimentos de tecnologia

Entre os desafios de manter a autenticidade – num mercado cheio de apropriações e pressões comerciais –, e as facilidades de produção – aceleradas por artificialidades tecnológicas – estará a originalidade artística comprometida?

“Se for em termos de expandir a música, e cada um poder mostrar o seu valor, acho que está definitivamente mais fácil. Com as redes sociais, há pessoas que nem precisam ser agenciadas para ter sucessos a tocar. Vemos vários exemplos nos TikToks da vida”, nota Anna, sem esquecer o reverso da medalha. “Acho que as tecnologias limitam o artista, porque é tão fácil agora gravar, que, com ou sem talento, uma pessoa consegue cantar uma música, e soa relativamente bem”.

No meio de tantas “inteligências” não humanas, estará o público a ser enganado?

“Eu não quero dizer isso, porque há pessoas que sonham com a música e podem não ter todo o talento do mundo. Então, não acho que seja enganador, porque vem de um lugar de querer. Diria até que lesa mais o artista do que o público, porque depois há certas alturas em que tu precisas, por exemplo, de te apresentares ao vivo e torna-se complicado”.

Capacidades vocais à parte, para quem ouve, muitas vezes o que fica é uma incapacidade de diferenciação, como se estivéssemos sempre diante das mesmas composições.

“Quando as pessoas fazem música pelo que está no hype, ou, como os miúdos dizem, pelo que está a bater, acho que há a tendência de se fazer o mesmo, com as mesmas batidas, as mesmas letras. Então, acho que existe essa facilidade de acabarem todos a cantar as mesmas coisas”.

Como quebrar esse ciclo de descaracterização?

Independentemente de compromissos e pressões comerciais, Anna Joyce defende a importância de cada artista encontrar e expressar a sua autenticidade.

“Não acho que seja uma obrigação do artista ser activista social ou um exemplo para a juventude, como muitas vezes se faz pensar. Nem todos somos assim. O artista, antes de ser artista, é uma pessoa e, dentro da nossa individualidade, somos o que somos”.

o que me vem na alma”.

O exemplo brasileiro

Nos estúdios, nos palcos ou na intimidade, a cantora angolana garante que não se adultera.  “Sou enquanto artista o que sou como pessoa. Então, o que eu vou escrever vai ser fruto da minha criação, da minha família, das oportunidades que tive”, aponta, demarcando-se dos ouvidos e olhos que condenam outras formas de expressão musical.

“Quando falamos de kuduro, por exemplo, pensamos no contexto dos kuduristas? É um contexto do gueto, do subúrbio, de pobreza, de fome, e eles são fruto disso. Então, como é que vamos exigir que uma pessoa que venha daí se comporte como uma pessoa que vive dentro de um condomínio, com água, energia e todas as condições? Ouve quem quer ouvir”.

Fã assumida desse estilo, ao qual reconhece mestria, a cantora também retira dos artistas a responsabilidade de se moderarem na linguagem.

“Acho que é uma questão de escolha, porque, na verdade, as pessoas dizem palavrões. Apenas defendo que, em relação às crianças, nós, os pais, é que temos de estar atentos. Não podemos condenar os artistas que têm letras com asneiras, e depois, pormos a tocar essas músicas quando damos uma festa, que também tem crianças. Depois, quando elas estiverem a cantar, é culpa é do kudurista? Não é”.

Acima das diferenças, que vê como uma riqueza, Anna Joyce defende a necessidade de se valorizar a produção cultural.

“Os governos PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa] não olham para a música como uma força, como algo que possa trazer retorno aos próprios países”, observa a cantora, lembrando que foi a exportação da cultura que tornou o Brasil mundialmente conhecido.

“Onde é que estaríamos hoje se tivéssemos valorizado, apostado e investido na nossa cultura, como por exemplo o Brasil fez, com o Carnaval, samba, pagode, sertanejo, caipirinhas? Era bom que se fizesse isso nos nossos países, porque não é tarde”.

A esse propósito, acrescenta a angolana, convém não esquecer que muitas das maiores referências brasileiras vêm de África, como por exemplo a capoeira.

Potenciar o mercado PALOP

Ainda a pensar no que falta fazer, embora sublinhe que não tem razões de queixa, “porque a música angolana circula pela comunidade PALOP inteira”, Anna Joyce reconhece que o inverso não acontece.

“Chega pouca música moçambicana a Angola, pouca música de São Tomé e Príncipe e da Guiné, e um bocadinho mais de Cabo Verde, porque durante muitos anos foi um músculo no nosso mercado. Agora, acho que tem de haver trabalho de divulgação e investimento, porque há muito boa música a ser feita”.

Presença habitual em Moçambique – “vou pelo menos 10 vezes por ano” –, a cantora partilha também uma reclamação que ouve recorrentemente. “Um artista angolano chega, ganha um cachê infinitamente maior e tem condições melhores do que os músicos moçambicanos”.

O que fazer, então, para equilibrar os pratos da balança?

“Falta apoio aos artistas, e criação de mais oportunidades”, defende, certa de que, contra ventos e marés, a música permanecerá central nas nossas vidas.

“Nós somos música. Ela faz parte do nosso ADN, e não precisamos de um curso de arte e cultura ou de Belas Artes para a entendermos. Cantamos quando estamos tristes, e também quando estamos felizes. É a forma de arte mais acessível e, desde bebés, a nossa mãe canta musiquinhas para adormecermos”.

Na sua própria história, revela Anna, a música é também “terapia, cura, e um lugar bom”, que começou a ocupar ainda criança.

Talento precoce, inspiração familiar

“Comecei a compor aos 10 anos, com o sonho de ser cantora. Queria ser a Xuxa ou o que fosse”, recorda, de volta aos planos infantis.

“Na altura, havia um programa na SIC, que era o Buereré. Então, eu escrevi o meu repertório para ter as minhas músicas prontas quando lá fosse. Mas nunca fui”.

O engenho para compor, precocemente exercitado, estendeu-se também à escrita de refrões de rap para amigos, já na adolescência substituídos por letras “mais maduras”.

“Uma das minhas músicas de maior sucesso, que tem o título ‘Final’, foi feita quando eu tinha 18 anos”, conta Anna que, cerca de uma década depois, resgatou-a de velhas anotações.

Antes como agora, a voz feminina de “Ondas do Mar” assenta a sensibilidade e identidade musical num sólido património de referências familiares. “Sou de uma casa onde se ouvia música todos os dias e, no fundo, tudo o que fui ouvindo foi-me moldando”.

Do fado aos ritmos latinos e brasileiros, passando pela Pop, o Reggae, a Kizomba e o Zouk, Anna Joyce revê nas suas criações “o resultado dessa mistura toda”, profundamente sintonizada na sua maior inspiração: Mariah Carey.

“Ela é uma artista-compositora e, como eu sempre tive essa veia de composição, acabei por me inspirar muito nela para cantar e fazer músicas com qualidade. Por isso é que sou muito exigente com o meu conteúdo”.

Em contagem decrescente para o novo ano, e o próximo concerto em Portugal, a cantora angolana faz questão de renovar, a cada criação, a sua força artística: : “Faço aquilo que me vem na alma”.

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