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No “Refúgio” de Luiana Abrantes, música e moda tecem Humanidade

Lançou o primeiro álbum no final do ano passado, e dá-lhe agora nova vida com três músicas gravadas ao vivo. Entre o “Refúgio” de 2024, e o “Refúgio Relaunch” de 2025, Luiana Abrantes ganhou uma distinção no Brasil, e uma bolsa de criação artística em Portugal, sem perder o fio à meada da “Truly Afro”, a marca de roupa que veste a celebração da sua africanidade angolana. Já a trabalhar no novo disco, conversou com o Afrolink sobre a inspiração para compor, o trabalho, a maternidade, a condição feminina, e o défice de humanidade que nos tem vindo a desequilibrar. “O nosso olhar em relação ao outro tem de ser treinado. As pessoas não têm só um lado mau, também têm alguma coisa boa para dar”.

Lançou o primeiro álbum no final do ano passado, e dá-lhe agora nova vida com três músicas gravadas ao vivo. Entre o “Refúgio” de 2024, e o “Refúgio Relaunch” de 2025, Luiana Abrantes ganhou uma distinção no Brasil, e uma bolsa de criação artística em Portugal, sem perder o fio à meada da “Truly Afro”, a marca de roupa que veste a celebração da sua africanidade angolana. Já a trabalhar no novo disco, conversou com o Afrolink sobre a inspiração para compor, o trabalho, a maternidade, a condição feminina, e o défice de humanidade que nos tem vindo a desequilibrar. “O nosso olhar em relação ao outro tem de ser treinado. As pessoas não têm só um lado mau, também têm alguma coisa boa para dar”.

Luiana Abrantes, vestida com a sua marca, “Truly Afro”

Canta o que escreve, veste o que costura, e, de criação em fruição, Luiana Abrantes deixa-se ser. “Quando não estou a fazer música, estou a fazer peças de roupa. Quando não estou a fazer peças de roupa, estou a fazer música. E acabo por manifestar a minha essência nas duas áreas”.

Criadora da marca de moda “Truly Afro”, e autora do álbum “Refúgio” – lançado em Setembro do ano passado, e relançado agora como “Refúgio Relaunch” –, a cantautora escolhe viver segundo o próprio ritmo, desligada de reguladores externos.

“O nosso tempo aqui passa muito rápido, e eu quero aproveitar da minha maneira, não como o sistema impõe. O «Refúgio» é sobre isso. É uma chamada de atenção para o nosso interior, para o reforçarmos, e não cairmos na armadilha de que temos de estar dentro dos parâmetros em que todos os outros estão”.

Tarimbada nesse fortalecimento interno, a artista, nascida em Luanda há 38 anos, verte-o para as suas composições, que começou por apresentar, single a single, com os temas “Mudança”, “Enamorada” e “Serenidade”.

“Estou sempre a compor, porque penso muito na vida, no que aquilo que vejo me faz sentir, e isso sai muitas vezes em forma de música”.

O processo criativo começou por ganhar expressão discográfica em estúdio, e vai ter agora, na edição “Relaunch”, três temas gravados ao vivo. O primeiro – “Enamorada” – já está disponível nas plataformas digitais, e, anuncia Luiana ao Afrolink, outros dois estão a caminho: “Giramundo” e “Mudança”, este último em versão acústica, só com guitarra e voz.

“Vamos continuar a revisitar o «Refúgio» através do «Relaunch»”, revela a cantautora, que no sábado passado, 31 de Maio, subiu ao palco do This is Sessions, em Lisboa, para um sarau musical.

Novo álbum em construção, com voo para o Brasil no horizonte

A experiência deverá repetir-se durante os próximos meses, antecipa Luiana, que prepara já o segundo álbum, ao abrigo de uma bolsa de criação artística da DG Artes.

A novidade tem lançamento previsto para 2026, e promete impulsionar uma trajectória musical ainda embrionária, mas já distinguida além-fronteiras, num concurso do III Festival Universitário de Música do Gimu – Grupo de Integração Musical da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira.

O reconhecimento, por músicos e pesquisadores do campo da etnomusicologia – que se têm debruçado sobre musicalidades africanas e afro-diaspóricas –, destacou a canção “Serenidade” como uma das cinco melhores entre 39 avaliadas.

“Soube do concurso, que está associado a uma universidade, através de um amigo brasileiro, filho de pais angolanos. Candidatei-me, e quando já nem me lembrava disso, fui surpreendida com a notícia de que ganhei”.

O resultado, anunciado no final do ano passado, abre caminho a novos voos.  “Como esta já é a terceira edição, eles estão a preparar-se para organizar um festival na Bahia, e chamar todos os vencedores. Só não sei se será neste ou no próximo ano”.

Seja como for, a iniciativa assume o compromisso de “valorizar a música autoral e original”, e “estreitar as interlocuções entre Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, a partir da cena musical produzida nesses países”.

A proposta, assinala Luiana, encaixa perfeitamente na sua assinatura sonora. “O «Refúgio» tem a participação de artistas de vários países – angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos… –, porque a minha música, no fundo, acaba por ser uma fusão da lusofonia toda”.

Combater a resignação

Apesar de não gostar de criar expectativas – “prefiro viver um dia de cada vez” –, a também designer não abdica da sua medida de sucesso: “É estar em paz, e bem comigo própria”.

O caminho, entre a música e a moda, desbrava-se em contracorrente, tanto a nível pessoal como profissional.

“Tive outros trabalhos antes de ter a minha marca, e percebi que tinha de fazer a minha vida de outra forma, porque não me identifico com o modo como o mercado funciona”.

Além dos constrangimentos de horário, robotizados num modelo “das 9 às 5”, Luiana contesta a normalização das relações desumanas.

“Falo naquela coisa de ter um patrão que fala mal contigo, que te trata mal. Acho que as pessoas começam a acreditar que faz parte. Mas não. Não é bonito, nem é saudável”, sublinha a artista, alertando para os efeitos da resignação.

“As pessoas estão a ficar doentes por causa da forma como o trabalho é exercido. Até parece que se não vives em stress e ansiedade, não estás a trabalhar. Eu, por exemplo, só porque digo que adoro estar no meu ateliê, muitas vezes pensam que tenho um hobby”.

Longe disso, a cantautora e designer lembra que o destino freelancer tem o seu preço.

“Abdiquei de um trabalho com um salário garantido. Foi uma escolha, porque prefiro estar em paz, e ganhar menos nesta fase”, aponta, sem romantizações. “Tive de criar as condições para isso, porque a vida de empreendedor não é fácil”.

Acolher o ciclo humano, em contracorrente

Também em contraciclo, Luiana avançou para a maternidade quando, à sua volta, o mundo seguia noutras direcções.

“Ouvi muitas críticas. Havia mesmo quem dissesse: ‘Não podes ser mãe, ainda não acabaste o curso’”.

Hoje com dois filhos adolescentes, a cantautora conta que vive esta etapa da vida de uma maneira muito leve.

“Se calhar é da forma como nós pensamos em África: onde come um ou dois, comem três. Eu considero que o planeamento é importantíssimo, mas o planeamento excessivo, que vejo muitas vezes aqui na Europa, faz com que tu não dês determinados passos”.

Pior do que isso, estaremos a contrariar os nossos ciclos humanos?

“Vejo amigas minhas que querem ser mães, e não são porque acham que precisam de criar as condições ideais para isso”, nota a cantautora, distanciando-se de programações de pressão externa.

“Tento sempre passar uma mensagem positiva com a música, para tentar suavizar um pouco o que vejo neste mundo, que agora gira muito à volta da sexualidade da mulher”, explica Luiana, propondo outra abordagem. “Eu não digo que isso seja mau, mas acho que está a ser exacerbado, exposto de uma maneira que para mim não tem a ver com a beleza e sensualidade feminina”.

Apologista de uma alternativa, “mais serena e de paz”, a designer explica que a ruptura com as “normas” também se observa com a marca “Truly Afro”.

“A minha intenção foi tentar normalizar, entre aspas, a questão afro. Não ter vergonha de assumir as nossas origens, e usar com orgulho os tecidos africanos, porque são a nossa identidade”.

Despir as lentes da discriminação

Para além de criações artísticas, Luiana partilha, a cada proposta, a sua expressão humana. “O nosso olhar em relação ao outro tem de ser treinado. As pessoas não têm só um lado mau, também têm alguma coisa boa para dar”.

Embora se tenha confrontado, desde cedo, com situações desumanas do pós-guerra em Angola – incluindo crianças a comerem no lixo, e soldados com os membros amputados a pedir [esmola] nos sinais de trânsito –, a cantautora garante que nunca normalizou a dor ou a violência. Pelo contrário.

“Isso talvez tenha feito com que me tornasse muito sensível ao sofrimento alheio”, reconhece a designer, apelando ao não julgamento.

“Acho que todos temos a centelha divina, de Deus. Por isso, acredito que alguma coisa acabe por espoletar a maldade no decorrer da vida, dependendo do contexto em que somos educados. Então, nós temos que entender as circunstâncias e não julgar facilmente e, às vezes, de forma tão irracional”.  

Mais do que isso, Luiana sugere que usemos mais “a nossa parte humana, o nosso olhar mais sensível e mais humano em relação aos outros”, despindo-o das lentes de discriminação.

“Uma vez li uma frase muito curta, acho que no Pinterest, de que «onde há excesso, há falta de…». Por isso, quando temos excesso de preconceito, temos falta de alguma coisa”.

Do quê, em concreto?

A resposta, defende a criativa, pede refúgio. “Aquilo que nós chamamos de mal, na verdade, para mim, é ignorância em relação ao bem. Isto prende-se muito com aquilo em que acredito: que estamos todos aqui para evoluir, mas cada um de nós está num estágio de evolução diferente. E só através da experiência conseguimos aprender esse bem”.

Ao mesmo tempo, a autora de “Refúgio” alerta para a necessidade de recuperarmos do desencontro de género em que muitas vezes nos arrastamos.

“Nós, mulheres, estamos a ser obrigadas, por causa da questão capitalista, a nos posicionarmos na sociedade como homens, para podermos competir com eles. Então, acabamos por vestir as suas características, e perder algumas das nossas.”

O regresso ou a descoberta da nossa natureza impõe-se, assim, como um resgaste da nossa força e propulsor de uma nova consciência.

“Vivemos numa sociedade muito individualista. Pensamos muito em nós próprios sempre, e esquecemos que fazemos parte de um todo”, lamenta a cantautora, sublinhando que é “apenas mais uma pessoa, no meio de tantas, e todas as pecinhas são importantes”.

Falta ligá-las e, com isso, formar colectivo, processo que pode ser sonoramente impulsionado.

“A música é uma coisa poderosa. Tem uma força e uma energia capaz de activar emoções e estados de alma”. E oferecer “Refúgio”, a partir das plataformas digitais:

Apple

Spotity

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